sexta-feira, 15 de maio de 2009

Panorama atual:

Durante os anos 80 e 90 uma nova classe de editoras surgia tendo como objetivo a distribuição de seu trabalho apenas em locais especializados e não buscando qualquer tipo de vínculo como membros da CCA ou a sua aprovação para continuar com suas atividades. Seguindo este movimento alguns patrocinadores da CCA como a DC Comics ou a Marvel Comics também começaram a publicar periódicos para o público adulto sem o selo de aprovação das autoridades. Com isto o Comics Code passa a não ser tão considerado na atualidade, buscando algumas editoras até criar seu próprio código de avaliação (como é o caso da Marvel) assim não se submetendo as regras de qualquer autoridade de censura.

Desde a década de 1960 até os dias de hoje encontramos a mesma categoria de personagens femininas mais independentes, donas de seu próprio destino e tão capazes quanto qualquer super-herói por aí. Soma-se a essa vertente de mulheres fortes e decididas uma classe já há tempos conhecida, mas que vai ganhando destaque – a classe das vilãs. Ainda nessa linha surge um grupo que se torna bastante popular desde os anos 80 até a atualidade – as “Bad Girls”. As Bad Girls seriam a representação feminina do anti-herói, ou seja, aquela personagem que não deixa de ser heroína, mas não apresenta as atitudes clássicas da boa moça de outrora (“Elektra”, “Jean Grey” da série X-Men ou “Estelar” dos Novos Titãs seriam bons exemplos). Assim como as vilãs as Bad Girls são mulheres perigosas, de corpos perfeitos e roupas colantes na maioria das vezes.

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Erotismo nos Quadrinhos:

Como já visto na década de 1950 as primeiras portas foram abertas para um novo tipo de personagem feminina muito mais decidida, independente e confiante. As representações dessas mulheres nas páginas dos HQs iam ganhando cada vez mais componentes de um erotismo semi-assumido que transparecia em suas expressões corporais, vestimentas, etc...

Em 1954 é lançado o livro “Seduction of the Innocent”, do psiquiatra Fredric Werthan, que justamente faz uma crítica aos quadrinhos da época que ao seu modo de ver eram uma literatura popular ruim e uma das sérias causas da delinqüência juvenil. Werthan enfatiza os diversos temas sexuais “escondidos” nas páginas dos HQs (expondo posicionamentos bastante polêmicos como sua crença no homossexualismo de Batman e Robin ou as tendências lésbicas da Mulher-Maravilha). O resultado do polêmico livro foi a criação do “Comics Code” (Código de Ética das HQs, na versão brasileira) que proibia a violência e a exacerbada erotização dos quadrinhos. Dessa forma todo o conteúdo mais provocante (imagens de sexo, nudez, poses inadequadas etc...) não poderiam ser apresentados e nem sugeridos.

Com essa situação do novo código, toda a produção norte-americana sofre determinada censura por parte da CCA (Comics Code Authority – Autoridades do Código dos HQs) e com isso presenciamos na Europa o surgimento de uma linha de autores pouco preocupada com o que seria politicamente correto.

Em 1962 o francês Jean-Claude Forest publica na revista "V - Magazine" a história de uma personagem que viajava pelo espaço a procura de novas experiências – Barbarella. A jovem de longos cabelos loiros e rosto provocante não escondia seu apetite sexual intenso que era retratado nesta que foi considerada a primeira HQ assumidamente adulta. A partir de “Barbarella” surge na França uma série de histórias em quadrinhos eróticas que tinham em sua grande maioria mulheres como protagonistas: “Scarlet Dream” (1965) de Claude Moliterni e Robert Gigi, “Les Aventures de Jodelle” (1966) de Guy Peellaert e “Paulette” (1970) de Georges Wolinski e Georges Pichard são apenas alguns exemplos bastante famosos dentre os quadrinhos eróticos que surgem naquele momento.

Na Itália alguns nomes também se destacavam nesse novo campo dos HQs. Guido Crepax é o criador de três musas do estilo: “Valentina” que surge em 1965, “Bianca” em 1968 e “Anita” em 1971, além de ter adaptado clássicos da literatura erótica para os quadrinhos (Emmanuelle e Justine por exemplo). As mulheres de Crepax sempre apresentam uma atitude independente e decidida. O autor defendia o conteúdo bastante recheado sexualmente dizendo que suas personagens eram mulheres por inteiro e portanto não tinha recalques em relação a sua nudez, e completando:

“(...)Aliás, eu diria que nos meus quadrinhos, quem mais faz papelão são os homens:sempre fui feminista e não é por acaso que Valentina tem uma profissão, a fotografia, que na época era exclusivamente masculina.”

Milo Manara, que fora ex-aluno do escultor espanhol Barrocal, também ganhou atenção no ramo ao lançar “Clic” (1983) que girava em torno da incompreensão entre os sexos e alguns temas polêmicos como o prazer feminino. Considerado dono de um traço inconfundível Manara é aclamado pelas perfeições das formas de suas personagens e assim como Crepax não apresenta o sexo de forma simplista ou sem conteúdo crítico.


Enquanto isso nos Estados Unidos surge nos anos 60 o movimento underground de contracultura. Esse movimento teve sua vertente dentro de todos os tipos de Arte e, por conseguinte, nos HQs. É aí que encontramos exemplos de quadrinhos mais erotizados no circuito norte-americano.

Em razão do Comics Code a única maneira possível de produção de quadrinhos com conteúdo mais erótico seria dentro de um movimento independente e que não buscava o selo de aprovação da CCA para sua circulação. Aparecem revistas como a “Zap Comix”, impressas de forma caseira, com número limitado de cópias e vendidas de mão em mão pelos próprios editores que não censuravam qualquer tipo de conteúdo considerado “subversivo”. Junto aos temas proibidos nas grandes publicações vinham também críticas próprias desse movimento de contracultura como a não aceitação do “American way of life” em seu capitalismo desenfreado.

Com o tempo, o surgimento de diversas revistas do gênero e o aumento dos meios não-convencionais de distribuição dessas, o sucesso das HQs undergrounds não precisou da aprovação da CCA para estabelecer-se. Assim após alguns o anos o Código de Ética das HQs foi revisto e a liberação de algumas causas aceitas.

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Histórico Feminino nos HQs:

Essa arte com mais de cem anos não contou desde sempre com a participação das heroínas que conhecemos hoje. Nos primeiros anos das histórias em quadrinhos não existiam protagonistas femininas nas publicações. O primeiro local onde a figura da mulher aparece, pelo menos de forma coadjuvante, é no que foram denominadas as Family Strips (tiras familiares), que como o nome já diz, apresentavam temáticas centradas na família ( e que eram protagonizadas em sua maioria por homens ou crianças). Em 1912, Cliff Sterrett cria a primeira personagem feminina que podemos considerar de certa importância na história dos quadrinhos – Polly. “Positive Polly” ou “Polly and her Pals” como iria se chamar algum tempo depois, incluía-se na esfera das family strips com narrativas de um núcleo familiar, mas que como diferencial tinham em seu centro de atenção a figura de Polly e suas atitudes consideradas rebeldes na época perto do autoritarismo dos pais. A partir daí e principalmente no período de fim e pós-I Guerra Mundial, surgem diversas outras figuras femininas protagonizando quadrinhos, sendo de certa forma um espelho do que ocorria no social onde a mulher americana participava mais da vida pública e começava a ser mais utilizada como mão-de-obra.

Nesse contexto aparecem as Girl Strips (tiras femininas) totalmente lideradas pelas figuras de mulheres e que nessa altura já podem mostrar um pouco de sensualidade em seu retrato. Mulheres menos passivas, maliciosas, com alguns decotes e pernas de fora traziam uma leve erotização à representação feminina nos quadrinhos.


Com início da década de 1920 e os diversos sindicatos a favor da moral e bons costumes, a indústria do entretenimento como um geral sofreu com o processo de censura. As diferentes ligas de decência e religiosas eram contra as produções mais sensacionalistas e erotizadas e assim o conteúdo de algumas histórias (principalmente das Girl Strips) era barrado ou sofria pressões por meio dos distribuidores e produtores. Com a censura em cima das garotas sensuais, a figura das mulheres como personagens principais encontra um empecilho e o gênero feminino volta a não ser tão presente nas páginas dos quadrinhos.

A partir da década de 1930 iniciam-se as histórias de aventura lideradas por heróis. É nesse momento que as mulheres começam a reaparecer de forma mais expressiva nas narrativas, principalmente no papel das “eternas namoradas” (Lois Lane, Mary Jane) que sofriam nas mãos dos mais fantasiosos vilões, mas acabavam sempre sendo salvas por seus respectivos mocinhos. Até meados da década de 1950 as histórias de aventuras só se intensificaram e além das noivas de super-heróis como já citadas, surge um tipo de personagem feminina mais interessada na ação (Sheena, Mulher-Maravilha, Princesa Narda, Miss masque, loura fantasma, dentre muitas outras). Nesse momento as imagens já apresentavam um maior nível de erotização, mas nada comparado com o que estaria por vir.

Durante a década de 1960 o mundo passava por uma verdadeira revolução comportamental. O movimento feminista ganhava força com bandeiras como a maior participação política da mulher, o uso da pílula (trazendo novo sentido à vida sexual) e a maior emancipação e liberdade da imagem tradicionalista até aquele momento coordenando o comportamento do gênero em questão. O reflexo desse período aparece nos quadrinhos com personagens muito mais liberais e independentes e o surgimento de uma nova categoria dentro do mundo das HQs – os Quadrinhos Eróticos.

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O Início de uma Arte:

As origens precisas das HQs são controversas. Não existe um consenso ou data marcada que seja classificada como “inicio das histórias em quadrinhos”. Se considerarmos que o princípio básico dos HQs consiste em contar uma história através das imagens (seguidas ou não de texto) teremos registros desse tipo de atividade desde os desenhos rupestres. Exemplos a se analisar não faltariam desde as pirâmides dos egípcios até vitrais góticos de catedrais medievais, porém o que procuramos aqui é tentar buscar o inicio desse tipo de entretenimento como conhecemos hoje (ou pelo menos de forma semelhante), ou seja, as imagens constituintes da narrativa sendo impressas e comercializadas em periódicos ou revistas específicas.

Podemos dizer que as Histórias em Quadrinhos no formato que apreciamos hoje têm sua origem no século XIX. Desde 1820 na França já se vendiam as chamadas “canções de cegos” (um tipo de tira humorística) e as “Imagens de Epinal” (contos infantis, que já contavam com a presença de heróis e suas espadas). Em 1823 na cidade de Boston (EUA), Charles Ellms publica o primeiro almanaque que entre seus passatempos trazia algumas pequenas histórias humorísticas no formato de tiras (daí vem a denominação “comics”, pois as primeiras tiras sempre exploravam o humor). Já em 1846 surge em Nova York (EUA) a primeira revista especializada nesse tipo de “pequena história”, intitulada “Yankee Doodle". Em 1865 Richard F. Outcault cria o personagem Yellow Kid que anos depois (1896) tem suas histórias publicadas em um jornal da cidade – The New York Sunday World. Um ano antes (1895) encontramos o primeiro uso dos, já hoje em dia comuns, balões contendo as falas dos personagens no trabalho de Christophe, pseudônimo de Georges Colomb, criador de “A família Fenouillard”, série que trás a inovação. Antes de “A família Fenouillard” as imagens já eram separadas em quadros, mas apenas recebiam legendas que tornavam a compreensão das ação mais simples.

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Referência Bibliográficas:

Com a pesquisa realizada até agora as referências que usaremos para os posts serão:

Arashiro, P. César – A História das Histórias em Quadrinhos – Parte I – site Central de Quadrinhos

Barcellos, J. Primo - O Feminino nas histórias em Quadrinhos. Parte 1:A Mulher pelos olhos dos Homens - Artigo

Borges, M. de Lourdes - Gênero e desejo: a inteligência estraga a mulher? – Revista estudos Feministas, volume 13, número 3 – (2005)

Dip, A. – O Mundo Feminino das HQs - Revista Caros Amigos, AnoX, número 120 - (2007)

Flausino, M. Coelho - Mídia Sexualidade e Identidade de Gênero – Artigo UniCEUB - (2002)

Freud, S. – Futuro de uma ilusão / O mal-estar na civilização e outros trabalhos – editora Imago - (2006)

Lucchetti, M. Aurélio - Histórias da Nona Arte: Sob o domínio de Eros – Dossiê Revista CULT edição 111 – (2007)

Medeiros, S. & De Vilhena, J. – A violência da Imagem: estética, feminino e contemporaneidade – Revista Mal Estar e Subjetividade, número 1 – (2005)

Penenari, R. Zompero - Mulheres nos Quadrinhos: de mocinha indefesa a felina sensual – site “Paratexto” - (2003)

Ramone, M. – Sem elas, o mundo (também nas HQs) não teria a menor graça – site “Universo HQ” – (2004)

Robbins, T. - Gender Differences in Comics – Revista Online Image [&] Narrative - (2002)

Robbins, T. - Women in Comics: An Introductory Guide – NACAE (National Association of Comics Art Educators)

Wickipedia, the free Encyclopedia – Seduction of the Innocent – Artigo

Se algo novo surgir durante o andamento do trabalho alteraremos esse post.

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Introduçao e Metodologia

Os quadrinhos, desde seu surgimento no início do século XX, sempre foram caracterizados como uma arte baseada fundamentalmente nas imagens constituintes da narrativa. Partindo dessa importância da imagem dentro do universo dos HQs é que também se pode analisar uma influência no imaginário de seu público, assim como o de qualquer outra mídia.

É objetivo deste trabalho observar mais de perto os quadrinhos em sua função midiática de definidor de padrões através de suas imagens como espelhos de mundo. Restringindo o tema, o projeto busca discutir especificamente a representação do gênero feminino dentro das histórias em quadrinhos. A intenção maior é tentar problematizar, explorando a representação multimídia, a questão da mudança no retrato através dos anos da mulher dentro dos HQ’s.

Para tal, como fonte de pesquisa o artigo se concentra quase em sua totalidade nas grandes produções norte-americanas, principalmente por se tratar de uma literatura mais difundida, de público pouco restrito ao redor do mundo e desta forma uma mídia que influencia o imaginário de um grupo significativo.

Os “Mangas”, formato de história em quadrinhos típico da cultura oriental, não entrarão como fontes inclusas no projeto. Por serem espelhos de uma cultura extremamente diferenciada e de particularidades muito próprias, o seu estudo implica também no olhar mais profundo a todo um modo de organização social e de valores talvez estranhos ou pelo menos peculiares do ponto de vista ocidental. A pesquisa então deixará de fora esse tipo de fonte atendo-se somente ao explicito no parágrafo acima.

Para esclarecer até onde a mudança no retrato feminino se dá é necessário prestar atenção ao passado desta forma de entretenimento e sua evolução até a atualidade. Com isso o projeto também lançará um olhar sobre o histórico de personagens mulheres nos HQs.

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